segunda-feira, 13 de junho de 2005

Escutando a rádio (Paradiso FM) hoje, nessas notícias relâmpagos que sempre passam, me chamou atenção de forma absurda a 'nova': "Papa condena o uso de preservativos e diz que a Igreja combate a AIDS através da castidade e da fidelidade". Só esqueceram de informar a que planeta se referia... Obviamente não estou combatendo os valores da castidade e da fidelidade, contudo temos que convir que ambos não são simplesmente instituíveis por "decreto bento" dentro da vida de cada indivíduo.

A Igreja é referêcia no combate a fome na África, pq não poderia ser um exemplo de combate a AIDS?
Em determinadas tribos africanas, quando a mulher fica viúva , ela tem que passar por um ritual de purificação na qual TEM que se deitar com algum parente do marido, ou com algum "purificador" oficial da tribo. O índice de viúvas que tem morrido deixando seus rebentos largados a má sorte é altíssimo. Além delas enfrentarem a resistência dos chefes tribais (que argumentam que seria imposível acabar com ritual pq isso atrairia maus espíritos), a Igreja tão presente em forma de caridade, ainda condena o uso do preservativo que nesse caso determinaria a sobrevivência daquele povo. (Meu trabalho de reading foi sobre isso)

Fidelidade e castidade não funciona muito no caso acima. E por acaso funcionaria no mundo Latino americano catolissíssimo? - É algo

Um comentário:

Tiago Tresoldi disse...

Não se irás gostar muito do comentário, mas...

Antes de mais nada, mundo latino-americano catolicíssimo??? Só podes estar brincando, não é! O continente do sincretismo pode até ser catolicíssimo em concordância com suas tradições locais em lugares como o México, mas certamente não o é no Brasil. Há tempos que uma religião não é apenas um rito comunitário, principalmente o catolicismo.

Quanto ao Papa, vamos por partes. Sim, não duvido que ele seja expressamente contra o uso de métodos anti-conceptivos, mas ele não disse nada disso nestes dias. Mais uma vez, estes jornalistas brasileiros manipulam a bel prazer as notícias que alguma grande rede local como a Agência Folha traduz de alguma grande rede internacional como a Reuters. O Papa se pronunciou a respeito do plebiscito que houve na Itália sobre uma série de questões bioéticas como fecundação assistida e manipulação de células-tronco embrionárias, tocando evidentemente nos pressupostos básicos da Igreja que levam às opiniões sobre camisinha, pílula, etc.

A questão não é a proibição em si, mas os pressupostos sobre os quais esta se baseia. Como não poderia deixar de ser vista toda sua herança cultural e filosófica característica do ambiente europeu - ainda mais depois de São Tomás -, a Igreja quer fundamentalmente ser coerente com seus pressupostos, num processo lógico bem característicos dos gregos antigos. Lembras do Sócrates que tomou a cícuta? Claro que ele não queria morrer, apenas seguiu deduções lógicas de seus pressupostos, o fundamental o respeito pela democracia segundo as normas atenienses.

Assim como Aristóteles fugiu da cicuta por partir de outros pressupostos (e, obviamente, por ser mais materialista), há muitos padres, teólogos e teóricos que defendem uma aceitação (liberação é talvez muito forte) deste métodos. Mas não apenas pelos métodos em si: trata-se de um processo de abrangência muito mais ampla. Entre os pressupostos (por vezes dogmas) da Igreja estão a sacralidade do casamento, a "obrigação" do "ide e multiplicai-vos", a fidelidade e o entendimento do ato sexual como meio para a reprodução.

Como qualquer pressuposto, são altamente discutíveis. Uns podem, e com toda a razão, alegar que "não há nada disto na Bíblia", ou que está se fazendo uma interpretação altamente subjetiva de um texto muitas vezes simbólico que já passou por, no mínimo no mínimo, três traduções, além de todas as várias adaptações. Outros, como eu pessoalmente, aceitam isso mas levam em conta também a diferença entre as sociedades; o caso da sexualidade sendo um bom exemplo. Alguns ratos de sacristia podem ainda reclamar das pessoas (principalmente as mulheres) que iniciam a vida sexual antes do casamento, mas não há como relevar um "pudor" menor e, sobretudo, o próprio casamento. Caramba, séculos atrás era comum as meninas casarem bem antes de chegarem a uma idade sexual - e de propósito, assim quando esta aflorasse já se estaria ligados pelos sacrados laços matrimoniais.

O "ide e multiplicai-vos" também é bastante claro, não? Pode ser pragmático, mas antigamente havia uma exigência até mesmo logística de se ter uma família numerosa; hoje já é surpreendente alguma família que tenha mais de três filhos. Teólogos de postura mais moderna e o próprio senso comum reconhecem algo do tipo "ser mais responsável, e portanto amar mais, ter um filho e cuidar bem do que ter quatro e cuidar mal".

A Igreja Católica não teria como aceitar a camisinha; sem entrar no mérito desta, de sua lógica, de sua coerência ou de seus pressupostos estarem corretos ou não. O pensamento é simples: SE realmente todos casassem virgens e se relacionassem apenas com seu parceiro, a camisinha não faria tanto sentido no combate à AIDS. Como método preventivo também não seria justificável, visto o "dever" (mas a palavra ainda é forte demais) de povoar a Terra.

Eu sei o que deves estar pensando, pode ser o mais lógico que quiserem mas não está certo. E eu concordo, como já fizeram com mais fundamentos muitos teólogos condenados por este ostracismo ortodoxo que se instalou em Roma, alguns pressupostos como o de "povar a terra" também não fazem nenhum sentido hoje em dia e nesta sociedade. Na discussão acabam entrando uma série de outros temas como divórcio, aborto, enriquecimento, etc.

Xi, já voltei a escrever demais!