terça-feira, 14 de outubro de 2014

Após a neblina

A ponte Rio-Niterói coberta de neblina, cercada de nuvens, com pouco a se ver além. Nesta ponte passei para retornar ao palco do evento da quinta-feira passada. Queria que o engarrafamento viesse, que o tempo passasse, não precisava chegar na hora. Queria me esconder e passar desapercebida pelos corredores da escola. Mas ao chegar na escola, havia uma conspiração estranha, de um cosmos de bom humor que decidiu me fazer pensar sobre as questões da vida de uma forma diferente.

Ao chegar, imediatamente, uma aluna do 1o ano me entrega umas florzinhas graciosas (que certamente ela pegou no quintal de alguém - algo que eu mesma fazia para minhas professoras quando era pequena). A surpresa e a lembrança me inundaram e, com meu melhor sorriso, subi. A primeira turma, 1601, se acomodava quase silenciosamente. Comecei a aula... Senti uma serenidade. Um aluno não parava de falar, outra me mandava coraçãozinho, outro dizia ter me visto na rua, todos responderam oralmente em inglês o que estavam vestindo. Esse clima se estendeu ao dia: uns me paravam para me perguntar das faltas, dos trabalhos, outros pra dizer que meu cabelo era o máximo, outros pra dizer que eu era muito bonita. Assim, do nada, como se beleza brotasse da terra, como se beleza fosse um atributo daquele dia.

Nos últimos tempos, numa turma deveras complicada, 1701, eles se comportaram bem, muitos faltaram (o que ajudou no comportamento). Conversei com alguns, rimos, corrigimos o trabalho, compartilhamos boas horas qualitativas. Ao sair da escola, encontrei alguns alunos do turno da tarde, e um deles era da fatídica turma. Ele pediu desculpas, disse que não era pra ser assim, que não seria assim. Me deu sua palavra, me deu um grande abraço. No caminho encontrei a arretada da Joice, uma aluna da turma de projeto que fez questão de me abraçar e pedir que subisse pra ficar com eles na tarde.

Bem que deu vontade.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

breakdown


Era pra ser uma quinta-feira normal. Até tomei um picolé depois do almoço na escola (que estava delicioso). Achei que passaria incólume pela tarde de aulas. Tinha três turmas: 1702, 1602 e uma turma de projeto (realfa). Como professora de escola municipal carioca sonhadora, ando meio apagadinha nas minhas aspiraçoes. Mas tento nao passar essa impressao para os alunos. No entanto, hoje foi o dia que, pela primeira vez em 3 anos, perdi o controle de mim, me escapei pelos lados.

Estava na turma da 1602, quando uma série de acontecimentos me levaram para o final de dois tempos na turma entregando os livros de inglês. Era algo simples, descomplicado, a aula estava no fim. A turma tem um espírito bastante presente, mas sao alunos, no geral, que respeitam bastante e escutam o que se tem a dizer. Gosto muito deles. Já os considerei a minha melhor turma. Semana passada fizemos um trabalho juntos que foi bastante proveitoso. Era nessa turma que esperava terminar bem o dia para depois ir para a turma que, talvez, pudesse me dar problemas (a de projeto).

Um momento, uma angústia, uma raiva, um tumulto. Tudo junto. Eles nao me escutavam, eles eram maioria. Eu tentando, do meu jeito, fazer aquilo dar certo. Nao aceitei que pudessem ser daquele jeito. Explodi. Gritei, joguei os CDS dos livros por cima das carteiras, gritei para todos sairem. Façam o que bem entenderem. Podem descer. Podem sair. Eles ficaram sem graças. Uns sairam de imediato. Outros ficaram cabreros. Um dos alunos, ao me ver sair, disse que era pra ficar tranquila, calma.

Subi as escadas para ir na outra turma. Desabei. Em lágrimas. Chorei, chorei, chorei. Enxuguei as lágrimas, fui na turma, deixei minhas coisas (ainda era um pouco cedo e eles ainda estavam com a professora deles). Desci as escadas, fui na secretaria, peguei água, lavei o rosto. Nao parava de chorar. Que choro era esse? Era querer tanto e nao pode fazer melhor. Era pensar que eles eram mais que animais (como chamados por alguns), e seriam mais que bandidos ou vassalos de gente rica.

No final, ao descobrirem que eu chorava (pois o diretor foi falar com eles), um grupo de meninas vieram me pedir desculpas. Ao me verem, algumas choraram tb, pediram desculpas, que isso nao se repetiria. De uma maneira estranha (e nao da maneira que eu queria), vi que realmente fazia parte do universo daquelas crianças. Elas náo sabem o que fazem. Três meninos tb vieram se desculpar. Eles estavam sem graça e bem embasbacados com a situaçao toda.

Chorei. Me envergonhei vendo os quatro adultos daquela escola tentando me consolar, com muita pena da minha aparente fragilidade. Fiquei com muita vergonha de ter me deixado levar "facilmente" pela emoçao. Mas tem como deixar realmente a emoçao lá na porta quando se lida com seus ideais? Well, terei de figure it out. 

Depois, ao verem meu rosto, a turma de projeto (que é fora desse mundo), me deu abraço coletivo, ficaram quietos, levaram a aula na mao deles, me deixaram assistindo a amabilidade deles (isso depois de ameaçar de porrada quem teria feito aquilo comigo, ehehe). Daí que me dei conta que será mesmo difícil de me tirar dessa vida.



quinta-feira, 22 de maio de 2014

don't leave me high, don't leave dry


O sorriso de Ale

Ao acordar e saber da notícia meu pai dizia: é uma tragédia.

Em São Paulo, minha prima mineira sofre. Ela é a mãe de um menino fantástico de 14 anos que sofreu um terrível acidente doméstico. O menino é meu primo de segundo grau. Educado do jeito mineiro, é daqueles mais educados do mundo, adora contar uma história e, sempre senti, é aquele que tinha certa identificação cultural comigo. Ele se encontra em coma conduzido num hospital em São Paulo.

Ao visita-los no final do ano passado (graças a uma amiga, Thaes, que me avisou que iria pra São Paulo e me convidou pra ir com ela), foi o menino que fez as honras da casa: me recepcionou junto com a minha outra prima grávida, botou meu café da manhã, lanche da tarde, procurou filmes para vermos juntos e dividiu comigo suas inúmeras histórias. Uma criança extremamente meiga e carinhosa (assim como a irmã), e cheia de entusiasmo em relação a família e ao futuro.

Hoje, 22 de maio, ao receber a notícia do estado do menino nossa casa parou. Eu, por mim mesma, parei. Tinha de ir na assembléia da prefeitura, buscar um livro de testes em inglês e pesquisar carro com meu pai na rua. Seria um dia agitatinho. Seria... Minha mãe quer cancelar o pequeno aniversário de minha irmã no sábado, meu pai desistiu do carro e não se sente bem. Eu, em pedaços, me desconectei da internet e estou a pensar, cá com meus botões, se é possível um pequeno belo milagre acontecer.

Faz muito tempo que não sinto tanta tristeza junta. Com o câncer de mamãe aprendi a dosar tristeza na rotina. Não estava preparada pra sentir essa invasão bárbara e cruel. O que me faz sentir triste em demasiado são as pequenas coisas: ele fez aniversário no meio de maio e, apesar de sentir vontade de mandar uma bela mensagem de aniversário, mandei um simples “feliz aniversário”, pensando em condensar pessoalmente todas as palavras de carinho logo ali, em julho. Triste porque apesar de amar muito minha família, encontro muita dificuldade em manter contato, visitá-los. Parece, pra eles, que sou muito indiferente e só penso na minha vida cultural e viagens. No entanto, cá com meus botões, penso neles e estava mesmo bolando planos de aproximar mais e mais de todos os lados da família (tanto de mamãe, quanto de papai). Tentando aproveitar o máximo da minha vida, às vezes, deixo de aproveitar o máximo da minha vida junto de pessoas da minha vida.

Estou mesmo na maior da esperança e expectativa que esse mocinho falante volte para gente. Que ele venha me contar MUITAS histórias, vou escutar todas pacientemente. Vou fazer mais esforço para visita-los, para abraça-los, para mostrar o imenso amor que tenho e que não cabe dentro de mim. Tanto que agora ele transborda em forma de lágrimas. Muitas lágrimas. Elas saem naturalmente, sem nenhum esforço, enquanto penso, enquanto escrevo, enquanto espero aquele tagarelinha nos surpreender com seu melhor sorriso.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

O tempo de Lív Mary

Há 9 anos atrás a geografia me favoreceu e me veio para na existência uma certa mocinha opinativa, cheia das ideias e das boas perguntas que, certamente, deixou boa impressão desde o primeiro dia. Foi bem nos meus primeiros dias que a vi, levou-se alguns meses para nos reconhecermos como colegas/amigas/confidentes. Desde lá, o que posso fazer? Respeitar... O espaço dela, as questões, o tempo para lidar com os acontecimentos, o fato de não gostar de aniversário (isso é algo que realmente não entendo, aniversário é tão bão). Mas justamente isso que mais aprendi com Lív Mary: a respeitar.  Respeitar que ela gosta dos Backstreet Boys (ehehe), que ela é muito muito muito fã de histórias bem teenagers (mesmo tempo uma subjetividade super aguçada). E isso não é uma crítica: isso é na verdade refletir a aceitação e entender que a amo por todos esses detelhes.

Feliz aniversário para ela, que não gosta de aniversários. Que não passeia comigo (aah, ciúme). Que também me aceita assim como sou, aleatória na vida.

(e precisamos de uma foto nova)

06/05/2014

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Do deboche ao desdém: na diacronia da vida de uma trabalhadora de Letras

Sinto dizer: sua profissão não te qualifica como profissional de alguma coisa. Ser professor? Faça-me o favor! Get a life! Melhor, get a job!

Tudo começou em 2003, sentindo-me estrangulada com aquela historia de fazer contabilidade, decidi que tinha de achar o que AMASSE fazer. Aquilo que me recompensaria como ser humano, como ser pensante, como SER sendo deste mundo vulgar. Em fevereiro de 2014 um aluno se esforça, no seu inglês macarrônico, em explicar que o "professor" do curto texto que leu em inglês não era igual mim. Pensei eu que isso se daria porque, na verdade, ele quisesse dizer que o "professor" do texto era um pesquisador. O que realmente ele quis dizer: eu era uma estagiaria, não era? Quanto você ganha? Então, não pode ser igual, não eh?

Confuso, confuso. Em novembro de 2007 o meu primeiro relacionamento acabaria. Eu ainda não sabia. Mas acabaria. Juntamente com o trabalho entregue de fonética, o qual me dediquei fielmente esquecendo que existia namorado no mundo. Em setembro de 2008 tinha decidido: voltaria ao Brasil, terminaria o ultimo semestre da faculdade, terminaria também o namoro/noivado. Sentia tanta falta  de estudar. Larguei o Canada e suas varias formas de cidadania que naquela época me oferecia. Quanto eu ganho hoje? Realmente precisamos falar sobre isso? Ganho menos a hora aula do que ganhava fazendo companhia a uma velhinha, Minnie. Ela me adorava tanto que no dia 25 de dezembro ela preferia passar o natal comigo do que com o filho. Aquele era o dia mais esperado no ano por ela, pois era o único dia que passava com o filho.

Abril de 2009, da minha geração de amigos da faculdade sou a unica totalmente estagiaria: tanto na Cultura Inglesa, quanto no CLAC. Nao me importava com o quanto ganhava, me importava com a experiencia e o quanto isso  realmente me renderia no futuro. Fevereiro de 2014, trabalho como professora de inglês na prefeitura do Rio de Janeiro. Trabalho dando aulas particulares. Enfrento questionamentos nos dois segmentos por não poder abarcar no meu horários todos os alunos que o gostariam.

Fevereiro de 2004, começo a faculdade de Letras na Universidade Federal do Rio Grande - Sinto-me orgulhosa por ter passado com brecha em dois vestibulares de faculdade publica, sinto-me exultante por conhecer pessoas novas que tudo tem a ver com a minha personalidade curiosa. Junho de 2003, decido que farei Letras. Decido que farei Letras e darei aulas em escolas publicas, porque devo, acima de tudo, pagar minha divida social por estudar (futuramente) em uma universidade publica. Penso que sera difícil, mas que esse não pode deixar de ser meu objetivo. Outubro de 2011, sou obrigada a tomar posse imediatamente como Professora II de inglês no município do Rio de Janeiro.

Dezembro de 2007, passagens compradas: vou ao Canada. Nao sabia ainda que passaria o ano neste pais. Dezembro de 2013, planejo a festa de 10 Anos da Bolha Social (da turma da UFRJ). Dezembro de 2004, me despeço das Reles Patuleia, a turma da FURG. Sinto que eh tempo de mudança, maktub, nem me esforço muito para mudar o destino.

Maio de 2002, aluna exemplar da Escola Técnica de Comercio de Sao Francisco do Sul. Descubro que terei de me mudar para Rio Grande - RS. Professores lamentam que a interrupção nos estudos: seria uma excelente contadora, seria uma irresponsabilidade familiar me tirar dali. Junho de 2012, faco uma prova para trabalhar em um novo curso de inglês para crianças em Niterói. A coordenadora se admira: tirei a segunda melhor nota ate aquele momento. Eu me admiro, mas lembro do quanto me esforcei no tempo de estagiaria para chegar ate ali.

Cursos de inglês quebrados. Disciplina. CAE, CELTA. Simpatia. Paciência. Amor. Psicologia. O que não leva essa receita de ser professora em 2014? Certamente não começou em 2014. E nem por aqui termina.

Poderia ser enredo de Carnaval. Poderia ser letra de um samba triste -  perdi tudo, ganhei muito mais: minha dignidade persiste.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

adote um bandido

Sheherazade falou pra quem quis escutar: adote um bandido. Vc adotou o seu?

Usa palavras como "marginalzinho", ela adota uma posição um tanto quanto questionável. Nao eh nem sobre achar SUPER legal amarrar um ser viver a um poste. Nem disso que falo. Mas achar que toda serie de crimes e barbáries nas nossas cidades serão resolvidos por um grupo de justiceiros. Justiceiros pautados pelos mesmos princípios do dela que jogam aquele "marginalzinho" contra uma grande parede social restando uma realidade coagida e cruel.

Houvi alguns dizerem esses dias "mas o pobre tem escolha". Creio que classe media desse pais esta se tornando pior que os ricos da mesma. Afinal, quando seu filho aparece drogado: tadinho, vitima das pressões. Quando se dopa em anti-depressivos sem prescrição medica: pobre pessoa, tem muitos problemas na vida. Tem teto, tem infra-estrutura básica, mas justifica-se a ação dos seus pares facilmente.

Sabe, Sheherazade, eu adotei meu bandido. Leciono em escola publica e já lidei com casos extremos de desistência de alunos para a  "bandidagem". Sabe o que eu faco? Tento ver melhores maneiras de cativar esse jovem, perco minhas noites de sonho montando estratagemas.

Acho que pelo deboche de "essas pessoas dos direitos humanos", deveria mesmo era estimular a ruindade desse aluno, chama-lo de animal, faze-lo se sentir bem baixo e vil, estimular o ódio sem sentido pelo próximo, pois ele não possui nada: eh um diabo sem rumo na vida. Ops, já tem quem faca isso: gente como vc. E vc realmente não sabe pq ele fugiu daquele hospital, neh?