sábado, 11 de junho de 2005

Ela e ela

Pegaram-se presas ali num diálogo que deveriam começar, faltava caminho, meio e fim. Olhavam perdidas para todos que as cercavam, procurando achar assunto. Sabiam que o esforço seria sobre-humano, mas valeria a pena só por passar que eram damas civilizadas e até que muito amigas. Na verdade estavam numa cilada feita uma pela outra e agora não tinha mais volta, não teriam como se levantar e sair dali como se nada tivesse acontecido. De frente pra outra, começaram o diálogo:
- Você aquela loja que comprei as caixinhas? - a outra sequer sabia de que caixinhas se tratavam – Acredita que tem uma promoção incrível lá. – muito entusiasmada contava a mais velha.
- Humm, falando em comprar preciso de cartolina, pra um trabalho.
- O que terá no trabalho?
- Umas frases, é pra escola.
- Que tipo de frase?
- Frase, frase que você não entende.
- Humm.
Silêncio.
- Olha que bonitinho esse enfeite. No seu aniversário vou comprar um igual. – falou a mais velha
- Seria engraçado! - fala a moça mais nova esbanjando seu primeiro sorriso verdadeiro.
- Aproveito e faço meu aniversário junto, é quase no mesmo dia.
Risos.
- Está um calor aqui. – reclama a mais velha.
- Você está na menopausa? – mais risos.
- Ah está calor mesmo. Este parabéns não vai sair hoje...
- Estou com sono...
- E sua irmã, por onde anda?
- Em outro mundo, certamente... Saiu com uma colega tão desconhecida pra mim do que ela mesma.
- Vocês se desconhecem tanto que eu não reconheço mais vocês, por onde vocês têm andado? Me sinto inimiga... – confessa suplicante.
Elas sentem que o papo pode ficar sério e o que era só um passar tempo pode virar um turbilhão de pensamentos. Evitam isso.
- Olha que graça aquela criança... – comenta a mais nova, com um sorriso rasgando falsamente a boca.
- Bonita. Isso me preocupa...
- A criança?
- Não, vocês.
- O que tem? Não nos odiamos!
- Talvez me odeiem
- Que isso... Ainda é nossa mãe.
- Não sinto isso... Vocês me eliminam de tudo o que há.
- Impressão sua...
- Impressão? Quando for certeza então, não quero nem ver...
- Exagero...
- Então diga onde estou errada?
- Em dizer isso sim, não tem cabimento, você é a mãe e está aqui comigo. O que mais se pode fazer?
- Fala isso como se fosse um enfado.
- É chato falar disso, só isso.
- Talvez porque a culpa não seja só minha.
- Talvez porque a culpa seja SÒ sua, com toda veemência possível na palavra. Mas como filha eu não queira pensar isso.
A mãe fica entristecida, bebe quantos mais refrigerantes aparecem, não deveria ter tocado no assunto.
- E agora? - Inquiri a filha.
- Agora é uma boa hora de falar de outra coisa.
- É hora de esclarecer, por onde VOCÊ tem andado?
- Gostaria de saber também.
- Você está perdida e a culpa é minha?
- Não tem culpados...
- Que filosófico! Depois dessa resposta só me resta dormir e sonhar com o príncipe encantado!
- Não precisa ficar furiosa, achei só que esse assunto não chegaria a lugar nenhum.
- Quem sabe porque não chegue no lugar que você quer...
- Desisto! Como você consegue ser tão amarga tão nova assim.
- Minha mãe não me ensinou a ser diferente...
- Você tem pai sabia?
- Qual deles?
- O que te teve comigo! Só há um e ele nunca deixou faltar nada pra você.
- Se ele viesse me visitar mais vezes eu diria o mesmo...
- Será o impossível! Não podemos passar algumas horas juntas, conversando?
- Não temos assunto... Não basta nossos lindos vestidos e maquiagem pra fazer agradável a companhia uma da outra.
- Você tem problemas...
- Não, só tenho 13 anos!
Um longo período de silêncio, elas não se desafiariam mais. Tinham medo do que poderiam proferir reciprocamente. Esperariam o parabéns pra ir embora. Ficaram em silêncio, o tempo todo pensando em que poderia acontecer se desse um abraço na outra.

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Historinha aleatória que pensei ontem num aniversario que teve aqui no prédio. Qualque semelhanã com o real é mera coincidência :P (mas não é novela da globo nãaaao). Só quis fazer algo 'diferente', refletindo os elementos sociais.

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