domingo, 26 de abril de 2009

Conto do Jardim

Eles se encontraram no de repente dos mundos. De repente ele encontrou ela, de repente ela encontrou ele. Eles se encontraram porque era justamente a hora daquele encontro improvável, da tal improbabilidade infinita trabalhar a favor deles. Eles não sabiam que se procuravem, mas no momento em que se encontraram descobriram que mutuamente se achavam no mesmo momento, na mesma icognita existencial, no mesmo querer de algo novo e que elevasse a alma. Eles que queriam, e por querer começaram a conversar, começaram a trocar histórias da vida, da infância, da batalha do dia-a-dia, mas sem muita realidade, eles também queriam um pouco de sonho.

Assim, se encontraram, repentinamente em si mesmos. Foram atraidos pela natureza e sua tempestuosa armadilha. No verde fizeram seu primeiro verdadeiro encontro, o encontro em que almas e corpos não podem ser diferenciados com clareza. Foi o cenário bucólico da cidade cinza, um belo jardim, que conferiu a ambos a certeza. Cenário desenhando para desautomatização da vida, para o apaziguar da alma de reis e princesas, agora serviria para que ambos dessem as mãos pela primeira vez. E eles se deram as mãos, se deram beijos na chuva, se deram beijos não tímidos na chuva... Eles se permitiram gostar. E gostaram, gostaram do que eram quando estavam juntos, gostaram de como seus corpos se uniam, de como seus sorrisos se cruzavam, de como seus olhares confidenciavam segredos. E eles andavam, andavam a procura de um canto seco, ou de algum canto que abrigassem a total voracidade do desabrochar dos primeiros momentos, dos descobrimentos, das borboletas na barriga. Ai, e aquele nervoso, o nervoso de querer não se separar, de querer de uma maneira melhor abraçar, de um carinho querer receber. E eles se entendiam.

Veio então o momento derradeiro. Momento que durou não se sabe quanto em horas humanas, mas que na hora dos apaixonados seguiu uma cadência irresistível e que os fez esquecer da chuva, a chuva que agora os prendia com sua capa invisível para mais perto um do outro. Ela os aprisionou na ponte do isolamento, e lá estiveram como se o resto do jardim não existisse. E eles se beijaram. Mas desta vez não conseguiram parar. Ah, quantos beijos... Eles formaram um uniforme de bons pecados todos reunidos na pureza dos enamorados. Aqueles dois surpreenderam um ao outro com a vontade alheia. Eles esperavam um calmo lago, mas despertaram a fúria de corretenzas represadas. As copas das árvores os cobriam, o guarda-chuva foi esquecido por sí só, e os dois se acompanhavam fielmente na fervura do momento impensado.

Verde coberto de água, os dois cobertos de verde, a água os cobria inteiros. Nascia de Gaia um novo titã. O namorinho de jardim tomava a dimensão única, a única que se podia imaginar aquela altura. Eles não podiam se imaginar diferentes, não se podiam imaginar fazendo outra coisa, em outro lugar, e tudo tão a flor da pele, tão irresistivelmente aprazível. Ternura, desejo, bem querer... E o mais improvável aconteceu, aquele improvável prometido ainda no início, eles viraram primeira pessoa do plural.

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