terça-feira, 14 de maio de 2013

Feito gente grande (Du vent dans mes mollets)


Feito gente grande. Um filme sobre uma garota introspectiva e seus pais tentando fazê-la se abrir com eles e com o mundo. O tempo inteiro um desafio entender aquela garota, mas ao mesmo tempo, um enigma facilmente decifrável para sua melhor amiga. Dei boas risadas, gargalhei com vontade das peripécias infantis. Confesso que me identifiquei com boa parte das coisas. A diferença é que nunca “precisei” de uma amiga para me sentir feliz como a pequena do filme.


Ri como nunca e ao final, sem misericórdia, chorei... Chorei como uma criança. Chorei porque me restou uma tristeza aqui dentro. Aquela tristeza de que as relações poderiam ser muito mais profundas do que são. Que poderíamos ser mais como as crianças, nos doar, necessitar da melhor amiga como se fosse uma falta tremenda de oxigênio, criar amores platônicos como quem abre uma caixa de doces. Mas não somos assim, somos adultos demais. Temos de respeitar o nosso sentimento (seja lá o que isso signifique) e os dos outros (seja lá o que isso signifique). Temos de manter distancia saudável, fingir indiferença, não sucumbir as palavras bonitas, pois onde há elogios deverá haver a dúvida.
Temos de viver em dúvida. Viver como adultos com dúvida. Viver tristes como adultos com dúvida. A dúvida é que faz a gente levantar pela manhã. Ou seria a dúvida que nos faz não querer levantar pela manhã? Isso vai depender do temperamento da pessoa, creio eu. O ponto é: temos de corroer nossa alma porque não podemos manter a clareza de infância e sentir/falar/agir com coerência?
Saí daquela sala de cinema aos prantos, pensando tudo isso, e mais nas minhas peripécias de infância, que não  foram poucas, podem apostar. Ainda não tenho coragem de falar abertamente sobre isso. Ao saí me deparei com as pessoas da sala de cinema ao lado saindo junto. Tinham assistido homem de ferro III. Eram muitas, uma horda de gente, como gado se espremendo no corredor. Eu fui a primeira a sair do filme francês, timidamente, com meus olhos ainda um pouco marejados, olhando para os lados, aquela bagunça toda, aquelas meninas com decotes impossíveis, todos os rapazes vestidos iguais, todos naquele sábado procurando diversão. Eu procurando o choro, a minha infância e entender o ser humano.
Ao procurar a saída, dentro de um shopping é quase impossível não observar o escravo silêncio dos vendedores. Muitos sozinhos. Alguns em grupo. Todos em pé e calados. Olhavam atentos para o nada. Dentro de si não havia nada. Umas com muita maquiagem, outras com o vestido da coleção, todos parecendo ridículos e inúteis. Todos pensando que poderiam estar vendo o Homem de Ferro III ou simplesmente assistindo qualquer coisa na TV em casa. Mas não estavam, estavam trabalhando. Trabalhando porque precisam do dinheiro para pagar as contas de casa e, é claro, ir assistir ao Homem de Ferro III. Ninguém quer ir ao cinema para chorar. Ninguém.
Eu sou tão ninguém nisso tudo. Um invisível que salta aos olhos: “ela está sozinha”, “ela lê alguma coisa, o que é aquilo? Um livro?”. Ela salta aos olhos. E tem olhar certo, fixo, sem titubeio. Ela perscruta todos ao ser redor: ahh, o vazio! Os papos mais desperdiçados. Todos na luz branca que apazigua o vazio de tudo. O limbo espiritual. Estar numa margem de rio sem água, pensando que aquele rio é o mais fresco do mundo. Enquanto isso, um dilúvio na minha cabeça, de pensamentos, de imagens, de sons, cores. As cores são quase incontroláveis. Ver as pessoas em cores, os acontecimentos em cores, a vida em cores... Isso custa um pouco! Mas meu olhar continua ao redor de tudo, duvidando um tanto do espetáculo cruel que nos colocam.
Ninguém quer chorar, ninguém quer ler. No entanto, também não queremos rir:  aquele sentimento de felicidade plena que vem da alma, e quando vai, nos deixa nostálgicos. Nostalgia dói.  Queremos rir das peripécias do homem de ferro. Das brincadeirinhas previsíveis. Quando a pequena do filme vai contar a história da professora com o professor de educação física e resolvem fazer um teatrinho com as barbies, vem uma risada, uma vontade de rir do absurdo, de como  nós mesmo já fomos assim: imaginativos e absurdos. A menina do filme adorava fazer teatro com as bonecas. Eu também gostava. Fazia com tudo, com os objetos da penteadeira da minha mãe tinha um grupo de teatro. Tinha história de tudo, e, é claro, sempre tinha um drama. E essas conexões, filme-eu, são o que geram as melhores risadas e o mais límpido dos choros.
O choro nos impõe sair da inércia, fazer a cabeça sacudir daquelas pipocas e vitrines e despertar para a não necessidade de comprar coisas que não precisamos. Ser sensível nesses filmes é a catarse que preciso para concentrar uma idéia, concentrar no que é real. Facilmente confundo a realidade das coisas não reais. Facilmente sinto que posso fazer algo que na verdade não posso. Desde pequena, quando me vejo em momentos que acho que podem ser criações de meu mundo solipsista, simplesmente abro as mãos, com as palmas viradas para baixo, olho, sinto elas se esticarem: é real. Quando está acontecendo algo muito ruim, ou algo muito bom, sempre faço isso, abro as mãos, estico, e sei que aquilo realmente está acontecendo. Coisa de criança.
Tenho muitas dúvidas sobre a idade que deveria ter, sobre a idade que daria ao meu coração. Acho deveria ter mesmo 27, só que meu coração tem 87. É rabugento, indomável e mal acostumado. Ao mesmo tempo, tem compaixão, entende os problemas de todos como se ele mesmo estivesse passado por tudo aquilo. Adulta ou criança, um pouquinho das duas coisas, o que eu gostaria MESMO era o despertar sereno pras coisas mais importantes, Les petites choses. Mas eu mesma venho dormindo bastante.
Creio que esse texto todo seja para lembrar a mim mesma que posso ser melhor, que posso tentar despertar eu mesma da minha embriaguez e tentar enxergar as coisas do jeito que elas são e, principalmente, do jeito que elas não são. Só as coisas não sendo para serem mais do que nunca, como se tivessem realmente sido. Eu quero ser, eu escolho ser. Ser grande ou pequena, não importa, eu quero ser e no processo de ser sendo,
lembrar a todos que amo (porque quem É, ama acima de tudo) que todos nós Somos. 


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