sexta-feira, 4 de março de 2011

Capítulo I: A via crucis do corpo

O título desse post evoca uma obra de Clarice Lispector. Mas não é esse o assunto daqui. Aqui teremos um assunto atemporal que se agravou demais nas férias, com todos os conflitos e julgamentos próprios do assunto. Aproprio-me do bendito título para dar meu testemunho sobre a questão da perda e (principalmente) ganho de peso desses últimos meses.

(o post será longo, mas eventualmente poderá valer a pena, principalmente para aqueles que lutam com sua imagem no espelho.)

Quando menor (e maior tb) nunca pensei muito nessa questão de peso. Ser gordinha ou não, pouco me importava. Mas papai já me alertara tempos atrás, na minha quinta série (hj em dia sexta série), que eu sofreria se não perdesse peso. Aquele dito, sem dúvida, foi o primeiro que ecoou na minha mente e me fez refletir que talvez em algum momento minha vaidade limitada tivesse de olhar para esse assunto.

Na sétima série, ocorreu um milagre: emagreci. Não sei o quanto, mas foi o suficiente para que nas férias de final de ano no Rio os parentes se preocupassem que talvez alguma doença do corpo ou da alma tivesse tomado conta de mim. De fato, meus amigos, algo tinha se dado dentro de mim: tinha cansado de ser tratada como a gordinha da turma. Isto porque eu nem gordinha era! Mas em comparação com as outras ditas esbeltas era eu fruto de comparação como exemplo de quem tinha mais quilo do que o necessário. Silenciosamente, passei a comer menos. Um ano de silenciosa revolta resultou num final de ano infeliz, com pessoas me condenando mais do que gostando da minha mudança na aparência. Minha mãe foi muito julgada como desleixada e por isso resolveu agir, fazendo manjares dos deuses com regularidade. Logo, estava eu encorpando novamente.

Mais de 10 anos me separam daquele tempo (oh, a idade pesa sobre meus ombros). Agora a luta é outra: a luta é pela saúde, por um estilo de vida saudável. Na minha família é muito comum morte por problemas no coração, de ambos os lados, além da famosa pressão alta, colesterol, triglicerídeos, etc. Após a última internação repentina de meu pai, resolvi que daqui pra frente tudo vai ser diferente (como diz aquela música). Demorou um pouco, e com um pequeno-grande empurrão da minha irmã, fui levada para a tão temida academia e começando naquele mesmo dia no final de maio de 2010 a me exercitar regularmente (dois dias na semana por conta da rotina cruel e desumana).

No entanto, foi só aí que me dei conta que fazia tempos que não me encontrava com tal peso. Pela primeira vez eu estava beirando aquela linha que te separa de uma alimentação saudável para uma alimentação muleta de vez (aquele chocolate que te ajuda a esquecer da angustia dos dias basicamente toda hora). Quando me dei conta, não tão silenciosamente, comecei minha luta interna, com todo o sacrifício inerente da situação, passando por momentos de guerra e paz, de comer ou não comer, eis a questão.

A redenção veio quando comecei finalmente a correr (na esteira). Pensava eu que era incapaz de tal proeza, e hoje sinto falta de correr, e não só de correr, como de puxar um ferro (como dizem no popular) e sentir que meu corpo está em movimento, sentindo cada parte dele se esforçando, esticando e pulsando. Não posso negar que um pouco de narciso em mim emergiu quando as pessoas da própria academia começaram a reparar nos meus resultados que se deram em dois meses de dieta (passando a comer de 3 em 3 horas) e aulas de jump, esteira e musculação.

O impasse entra em cena após umas férias na Europa. Em nome do experimento, de descobrir o novo e desbravar novos sabores, acabei por me alimentar com mais calorias do que o necessário. Como consequência, cheguei ao Brasil conscientemente mais pesada, um pouco pelo remorso interno de ter jogado tanto trabalho dos últimos 5 meses de academia no lixo, e, claro, pesada ao pé da letra, desprovida de qualquer metáfora.

Ao reencontrar um amigo de tempos (que entrou no CLAC comigo), ele diz que estou mais magra. Sei que no fundo ele vê a famosa beleza preenchida, aquela de quando se gosta de uma pessoa, você não importa muito com quilinhos a mais. Entretanto, parece que quando voltei fiquei procurando no rosto das pessoas certa reprovação por me encontrar mais cheinha. Procuro e encontrando. Na verdade eu busco nelas minha própria reprovação, minha rigidez e criticidade. O caso é que meus amigos mais chegados e verdadeiramente amigos não conseguem me reprovar só por isso. Aí é quando me sinto cheia de boas vibrações e quando falo para eles que uma jornada em país desconhecido justifica os tais quilinhos (assunto que eu mesma começo).

Isso me faz refletir que para aqueles que colocam os míseros quilos a mais a frente da carroça (que está cheia de pontos positivos, com certeza), talvez essas pessoas estejam mesmo perdendo o melhor da gente: a nossa espontaneidade, o nosso carinho mais fiel, os nossos pensamentos mais inteligentes e sagazes, o pedaço melhor da nossa simplicidade, a luz de nossos olhos, a perfeição de nosso corpo na imperfeição que tem. Temos muito mais para somar para vida de uma pessoa do que um contorno (magro ou gordo) de corpo. Temos muitos mundos dentro da gente querendo ser descobertos, e cheios de boa graça e entusiasmo.

Assim termina essa via-crucis, na promessa de bons tempos corpóreos, de superação dos limites na corrida e com nova perspectiva sobre aqueles que nos criticam pelo corpo perdendo o melhor de nós por serem tão superficiais quanto uma piscina de mil litros (ai, veneno).

Assim seja.

Amém

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