quarta-feira, 12 de abril de 2006

Epifania da greve

Acordou quinze pras seis. Sabia que já estava atrasada, então dormiu até as seis quando foi despertada de vez de seus sonhos. Levantou-se com a preguiça típica imaginando o dia que se configuraria e quanto teria de correr para não fazer de um pequeno atraso a vergonha de se entrar no meio da aula. Quase despertou de vez na hora de escolher a roupa; hoje é dia de azul... azul claro, pensou. Colheu o azul do céu bonito da manhã fresca com os olhos, e assim o copiou para seu guarda-roupa. Em nove minutos estava pronta para o café, muito pão de forma com maionese porque hoje não era dia de sentir fraqueza, era dia de prova. Forçou-se a comer tudinho e sair esbaforida para o elevador. Antes de sair do prédio de vez, separou o dinheiro, algo que nunca fazia antes de chegar ao ponto, porém hoje pareceu propício faze-lo. Caminhou pensando no frescor da manhã, que poderia ser assim o dia todo, uma brisa gelada pairando no meio de tímidos raios de sol. Chegava no ponto de ônibus estranhamente cheio. Teria acontecido algum acidente que impedia o fluxo dos ônibus? Era isso... Ninguém sabia de nada. Passam dois ônibus em direção ao seu primeiro destino, ambos lotados. Ela não se anima a pegar, afinal sempre vem outro atrás. Contudo não veio. E o que veio foram os telefonemas, “os ônibus estão em greve”. Greve? Mas não é possível, tenho prova, tenho compromissos, tenho de chegar lá me cansar o dia inteiro, voltar pra casa e reclamar do cansaço. Tem de ser assim, bramia nos pensamentos. Como podia estar tão vulnerável a uma greve de ônibus, ela e todos mil contáveis? Sentia que perdia a força, que era um alguém tão insignificante nessa história que nem o motorista do ônibus se importava. E sentia o preconceito em si “nem o motorista do ônibus”, porque haveria ele de se importar? Afinal, ela não se importava com a greve dele e esbravejava com cara chorosa contra a situação em pensamentos. Ao final de uma quase eterna hora, refletindo não haver condução que lhe sanasse o problema, entregou-se ao desgosto e foi ter em casa o troféu da decepção. Entrou, as pessoas formigavam. Ela se sentia impossibilitada de tudo. Teria de fazer uma segunda chamada que nunca fizera antes, nem quando na véspera de prova de teoria literária tinha extraído o siso. E agora, era assim? Sem ônibus, sem caminho, sem início, meio e fim. Ah, o fim, fim ela daria. Trancaria-se no quarto fechado com o pesado edredom e dali faria morada da sua inquietação cantando contos na mente e sonhando atravessado o dia que não acontecera. Teve vontade de chorar.

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Tempos depois: "acho que os ônibus voltaram...", ela agrade com sarcasmo a informação preciosa.

Um comentário:

Pablito disse...

Oi!
Sobre o texto:
só sei dizer que gostei, muito gostei. :)
Beijo.