Essa coisa de viajar tem a peculiaridade de mexer com o que
se tem dentro de si: as ideias, os pensamentos, as conjugações de verbo. Viajar
tem dessas coisas: de se deixar levar fisicamente, psicologicamente e quando se
percebe... Onde estou? Nem sei mais. Tem verde, tem água, tem amarelo, tem
olhares, tudo diferente.
Ao reconhecer o que é “diferente” é onde se reconhece e se
afirma o que sou: sou rio de janeiro, sou asfalto, cidade, cinza, músicas
aleatórias, aluninhos fofos, ovomaltine do bobs, Araújo porto alegre, quarto
preto e branco, vida lilás, mamãe gritando que a comida está na mesa, filtro da
cozinha, os DVDs, livros e o quadro do Rhet beijando Scarlet Ohara. São as
coisas que vejo ou faço quase todos os dias e, de repente, nada mais está lá. E
eu, onde estou? Estou tentando saber justamente o que sou. Identidade móvel,
uma “person to be” de carteirinha que pára, instantaneamente, de ser “sendo”
para ser “ser”. Ser tudo aquilo que compõe a rotina da vida lilás aleatória.
De repente, apreciar o diferente virou apreciar o que se é:
apreciar a falta que faz as coisas cotidianas, de como seria bom acordar na
própria cama, tomar banho no chuveiro de sempre, sentir o sol entrando pela
janela daquele jeitinho incômodo de todos os dias pela manhã. E aí que é
engraçado: a gente vai, vai, vai... Se embrenha no mundo, caça rumos diversos e
distantes para quando se está longe pensar no que se é quando está na rotina, no mundinho
de sempre, no círculo apertado dos dias extasiantes ou insossos.
Já vi que esse negócio de ser humano tem mesmo dessas dicotomias: se movimentar pra encontrar o que está parado ou parar para alavancar os rumos.